quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma questão social

Já passei por picos, por altos e baixos. Às vezes penso que estou a curar mas isso é um erro. Doenças como tu não se curam assim. Pelo menos estou medicada: sinto menos tonturas e as febres altas são cada vez mais espaçadas. É verdade que ainda cambaleio um pouco, que o nariz se entope e que a minha tia, com a mania das medicinas, me pergunta insistentemente se não quero um chá. E eu olho perplexa para ela, entre espirros e lenços de papel, e não entendo como pode ela pensar que me livro de ti através de ervas em água quente. Mas não a culpo. Ela não sabe de ti. Viu, por diversas vezes, os meus olhos a brilhar, voz afinada em cantorias pela casa e, adivinha, viu dentro do meu coração alguém dele apoderado. Mas não a culpo. Inventei uma desculpa e desvalorizei-te. Não te dei nome, nem morada, nem retrato. Como isso me custou. Porém, não valia a pena. Pessoas como tu não têm nenhuma dessas três coisas e contigo, desde cedo aprendi a amar um amor incógnito. Foste apenas um passarinho. E foi isso que eu lhe expliquei.
Às vezes penso que estou a curar. Já nem espero que me ligues. Sei que não o farás. Já nem espero que te encontre. Sei que os nossos relógios nunca se acertaram. Vivemos em tempos diferentes, em épocas distintas. Somos quase um estrato social impossível de se fundir. Se as regras são para se cumprir não percebo a nossa insolência ao romper com as normas sociais. Viemos de culturas diferentes, está visto que os valores também o são.
Às vezes penso que estou a curar mas eu ainda não ultrapassei a vontade de te dar um nome, uma morada e um retrato.
Dá vontade, na maior parte das vezes, de amar alguém com identidade.

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