domingo, 8 de novembro de 2015

Batalhas

 Escolhi o teu amor e às vezes pergunto-me como foste capaz de mo deixar fazer. Lumes como tu são tiros à queima roupa, mas eu pareço colete à prova de bala. Talvez deva culpar a pólvora silenciosa que és. Nem senti o buraco fundo e largo no meu peito quando ela neste se instalou. Ás vezes ainda tenho de relembrar o porquê de me debater contigo abrigada numa trincheira mais ou menos larga, mais ou menos forte. Nunca tive como sonho amar-te num campo de concentração. Íamos acabar por morrer os dois.
Escolhi o teu amor porque, num lugar remoto e só uma vez conhecido, me quiseste. Verdadeiramente. Brincavas comigo porque, num lugar presente e publicado no meu sorriso, te quis. Apaixonadamente. Mas as nossas guerras eram outras, as nossas ideologias díspares. Foi fogo livre o que houve entre nós. Foram feridas abertas, disparos certeiros, dias ao som de corpos rebolando em terra suja e quente. Fomos inimigos, raiva e revolução. Foste tu a privar-me de água, de alimento, a arranhar-me a face suada das tuas mentiras, das tuas promessas não cumpridas que eu tatuei em sítios que tu nunca verás. Foste tu, tu que me amavas pela noite, clandestino e desleal sabendo do meu cansaço, da minha luta vã. Fui eu, chorosa da guerra fria a que nos obrigavas, a ceder às tuas mãos repletas de pólvora ligeiras em mim, despindo mantos de orações e certezas, deixando cair dos bolsos as recargas que me permitiriam vencer-te, eliminar-te. E adormecia no teu peito, como se lá fora fosse Primavera, tempo de paz. Mas a manhã chegava e tu já lá não estavas. Exaltada e perdida procurava com mãos frenéticas restos de salvação, mas era adivinhar-te astuto e calculista e reconhecer que tinhas apanhado todas as minhas balas, todas as minhas armas, toda a minha roupa. E era ver-me, despida de mim mesma, frente a ti. Olho-te, decidindo que o pior não é a guerra, que o pior é o que vem depois dela, que o doloroso é recomeçar, é olhar para o território que nos pertencia e descobrir destruição em cada relevo. Que o que nos mata é ser atingidos por quem mais queremos bem, por quem cultivamos sentimentos parecidos com os que vêem nos livros utópicos que eu, tantas vezes descrente de um amor maior, gosto de ler. Que o difícil é salvar vidas, principalmente a nossa, cedendo ao inimigo a parte que lhe pertence, o presente da vitória.
Contudo, eu não tenho nada para te dar.

Escolhi o teu amor. E isso devia chegar.